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Exercícios de Liberdade - Resposta ao blog transbordarquitetura!

         A postagem de ontem do blog transbordarquitetura!, em resposta ao nosso comentário no post sobre a palestra de Rem Koolhaas no SESC Pompéia, abre um interessante canal de discussão sobre um assunto extremamente presente na Arquitetura e Urbanismo contemporâneos.
         Para ler antes o post de nosso amigo Conrado Vivacqua, que estimula a discussão redigida abaixo, clique aqui.
         Nos parece que a questão da segregação programática da Casa de Vidro de Lina Bo Bardi toca num ponto fundamental da Arquitetura Moderna, não apenas em nosso país, mas uma questão fundamental e conceitual que marcou aquela geração de talentosos arquitetos.
A Casa de Vidro de Lina Bo Bardi, recém finalizada, no bairro do Morumbi, São Paulo.

         A questão essencial que fica, e que Conrado recorta em seu post/discussão com o comoVER, é a de como é possível que a Arquitetura pregue a liberdade e transformação social representando essa causa apenas em sua casca?
         Intriga que num país como o Brasil, onde o movimento moderno foi tão forte, essa mesma arquitetura seja ainda tão incompreendida, já que tantos exemplares desse modo de pensar estejam presentes em nossas cidades. Talvez a chave para responder a questão, resida nas entrelinhas do post do transbordarquitetura!.
         A resposta estampa o título do livro do russo Anatole Kopp: “Quando o Moderno não era um estilo, e sim uma causa”.
         De nada adianta representar a liberdade “fisicalizada” pela menor porcentagem de matéria possível, capaz de vencer grandes vãos e criar espaços initerruptos, sem que toda a experiência espacial e questões que fujam à Arquitetura também estejam presentes. Citando Conrado ao falar da Casa de Vidro de Lina Bo em seu post:
         “Então, como pode haver liberdade formal se há uma estrutura social aprisionadora? A forma dá conta de expressar o que pleiteamos como liberdade? Se a Casa de Vidro do Morumbi fosse um Loft e nela não houvesse paredes e alas de empregados, a experiência projetiva ali poderia ser considerada mais libertária no que diz respeito à forma? Mesmo que já existisse Paraisópolis, a maior comunidade pobre próxima ao bairro em que fica a Casa de Vidro, o Morumbi, para sustentar, da mesma forma que acontece em Brasília, a dicotomia desigual da sociedade brasileira?” (negrito demarcado pelos autores)

Acima, o contraste marcante da favela de Paraisópolis e condomínios de luxo no Morumbi. Abaixo, Brasília. Seriam as duas imagens diferentes?

         Há um ponto importante aqui a ser considerado. Mesmo que a Casa de Vidro, e que os modernos edifícios de Oscar Niemeyer, tivessem seus programas resolvidos de maneira a realmente proporcionar liberdade e transformação social condizentes com aquilo que sua forma permite ler...ainda assim, não bastaria.
         Mesmo que a Arquitetura seja moderna, no sentido total que a palavra significa (significava?), o homem nunca foi moderno. Clarisse Linspector já gritava isso sobre Brasília. Na crônica de mesmo nome, frases como “Brasília ainda não tem o homem de Brasília” e “Prenderam-me na liberdade. Mas liberdade é só que se conquista” reproduzem exatamente a discussão aqui.
         Talvez aqueles que mais se aproximaram de tratar um pouco dessa questão no processo construtivo arquitetônico, tenham sido os arquitetos do Grupo Arquitetura Nova nas décadas de 1960 e 1970. Rodrigo Lefévre, Flávio Império e Sérgio Ferro marcaram fortemente o discurso moderno em nosso país naqueles tempos, sendo tão abruptamente abafados pela ditadura militar e contestados, a ponto do próprio Sérgio Ferro, único profissional ainda vivo do trio, deixar de praticar uma profissão que não oferecia a liberdade e “transformação de hábitos e lugares sociais” estampadas no discurso da geração anterior.

Residência Pery Campos, São Paulo, 1970. Arquitetos Rodrigo Lefévre e Nestor Goulart Reis Filho. Tentativas de mudança pelo exercício da Arquitetura.

         Ainda há um longo caminho a percorrer. Se a Arquitetura não é capaz de mudar a vida nas cidades, será ela capaz de, ao menos, retirar a venda de nossos olhos mesmo que por um instante e nos comover? Nos ensinar como ver?



Referências:
KOPP, Anatole. Quando o moderno não era um estilo e sim uma causa. São Paulo: Nobel,1990.
Crônica Brasília de Clarice Linspector: http://claricelispector.blogspot.com/2009/05/brasilia.html
Foto de Brasília tirada por Fernando Gobbo, em Outubro de 2007

Para visitar o interessante blog transbordarquitetura!, clique aqui.

Comentários

  1. Olá, amigos! Adorei o post de vocês e acho "Quando o moderno não era um estilo" uma leitura fundamental e muito bem selecionada para dar voz a esta nossa conversa. Ainda somos modernos? Ou melhor, onde habita o engajamento na arquitetura contemporêna? Há espaço para ela?

    Pensando nisso fiz uma provocativa e um tanto louca postagem hoje, pensando em vocês. Como estamos dialogando, me interessou questionar com vocês a construção de um espaço coletivo e cooperativo de construção de arquiteturas. O que será que acham? O post é
    http://transbordarquitetura.blogspot.com/2011/09/arquitetura-competicao-ou-cooperacao.html

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