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Quando o espaço influencia no aprendizado


         Dentre as primeiras lembranças de muitas pessoas, está um lugar. Este que tem profunda raiz em nossa maneira de enxergar o mundo: a escola. Alguns se lembram do pátio, do balanço, escorregador, lancheiras coloridas todas juntas. Outros lembram-se da sala de aula, dos amigos, professores.
         Para muitos, a escola é o primeiro contato social e espacial fora dos domínios dos pais e lar, um primeiro passo rumo ao desenvolvimento da identidade e personalidade.
         A escola, portanto, é responsável em grande parte pela construção de nossa humanidade, nos ensinando na sala de aula, no recreio, nas cores, nos cheiros, nos espaços.

         "A sala era enorme...talvez hoje seja pequena. Janelas muito grandes de caixilhos brancos quadriculados traziam grande luminosidade nas manhãs, para serem bloqueados por altas cortinas brancas translúcidas perto da hora de ir embora. As portas, todas elas de madeira, eram azuis, assim como os bancos na varanda que antecedia o pátio: infindável solo de grama e terra, circundado por grandes muros, jardins, e playground. Quando fazia muito calor, a mangueira soltava um cheiro forte de fruta, que à sombra da varanda e luz parcial das salas de aula causava forte sentimento de conforto."*

         Quando falamos de ensino superior, o espaço construído causa ainda mais influência. Primeiro, por que diferente de todos os estudos até então, a didática é mais elaborada e aprofundada num curso de nossa escolha (pelo menos é assim que deveria ser). Segundo, por que a adolescência se foi, chega o mercado de trabalho, responsabilidades.
         Se num primeiro momento de nossas vidas, buscamos na escola uma segunda casa em que nos sentimos confortáveis e somos direcionados, a faculdade é então um segundo momento, onde somos desafiados e tirados totalmente da zona de conforto. Essa é a beleza do ensino superior: até então, fomos ditos o que pensar e fazer, agora podemos usar isso para gerar conhecimento, pensar por nós mesmos.


         No curso de Arquitetura e Urbanismo, e demais cursos que lidam com a idéia de design, torna-se importante o despertar para esse tipo de análise dos espaços. E nenhum outro espaço é mais convidativo para essa análise do que o próprio edifício da faculdade.
         Alguns exemplos são marcantes nesse aspecto.


         O edifício da Bauhaus na cidade de Dessau, Alemanha, projeto do arquiteto Walter Gropius.
         Nada mais natural que o prédio de 1926, da escola que praticamente inventou o que hoje conhecemos por design, tenha sido pensada para "provocar" e "tensionar" os pensamentos e status quo da época. Gropius sabia muito bem o poder que o espaço tem na maneira de desenvolver nossa mente, e incentivava os alunos e professores a discutirem o edifício. Os alunos chegaram a desenvolver partes do edifício, experiências práticas de design que resultaram em maçanetas e outros utensílios.

         O lugar fica carimbado na mente, sua materialidade e espacialidade tornam-se padrões inconscientes, e conscientes, de referência.
         Assim acontece com uma escola construída no final dos anos 1960 em São Paulo, que influenciou e ainda influencia muitos trabalhos.


         O edifício da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, projeto do arquiteto Vilanova Artigas é, assim como a Bauhaus de Dessau, uma aula. Aula de estrutura, de concreto armado, de iluminação, de ordenação programática.
         Como todos os edifícios de vanguarda do Século XX (e ainda hoje), certos conceitos ainda não haviam sido colocados em prática e careciam de meios tecnológicamente desenvolvidos para sua execução. Por essa razão, no edifício da Bauhaus por exemplo, caixilhos de metal enferrujaram e impermeabilizações foram mal sucedidas nas lajes planas. Na FAU, o teto de cristal permite que a água da chuva entre até hoje no prédio.


         Todos esses fatos não impedem que os edifícios marquem as pessoas que os utilizam. Não são poucos os comentários carinhosos dos ex-alunos da faculdade de Arquitetura de São Paulo. "O edifício desafiava até climatológicamente, chovia nas nossas cabeças!" disse uma vez um  antigo aluno sem ironia.

         Fazer pensar, intuir idéias, seja por qualidades estruturais, seja pela completa padronização horrível de cores, muito espaço, pouco espaço...as características dos lugares onde vamos questionar o que existe, e nos questionar nós mesmos, é importante e afeta nossa maneira de ver o mundo nos anos que seguem à graduação.


         No recém concluido projeto do escritório holandês OMA para a expansão do Milstein Hall da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, a influência das características arquitetônicas latentes tem justamente o mesmo papel que nos exemplos anteriormente vistos: apurar a visão e tornar os sentidos sensíveis à espacialidade como aprendizado.


         Diferente da Bauhaus e FAU, o Milstein Hall de Cornell não é apenas um novo edifício, mas a expansão de um programa de edifícios do século XIX. O contraste arquitetônico é forte, apresentando ao menos três métodos construtivos diferentes numa única instituição.
         A estrutura metálica, responsável pelos grandes vãos e balanços do novo edifício, deve ser observada com cuidado: as tesouras apresentam inclinações diferentes umas das outras, fato decorrente do momento fletor do cálculo estrutural. Ou seja, a estrutura do edifício se explica sem falar. Que fantástica seria uma aula prática de gráficos de momento ao ar livre.


         O concreto armado também marca presença na estrutura mista deste edifício, ao revelar sua plasticidade (tão conhecida por nós brasileiros) no térreo do edifício. Quase um parabolóide de revolução, a cúpula do auditório mostra outro lado da arquitetura, formando praticamente uma topografia artificial com que os alunos podem interagir.


          A importância do ensino em nossas vidas é crucial. Mesmo que alguém não diga o que ver e o que sentir, as informações chegam. É papel da Arquitetura servir como essa interface, possibilitando que se aprenda...mesmo sem nunca ter tido uma aula.


Referências:
-Primeira Imagem: Pratt Institute School of Architecture. http://www.demel.net/prattarchitecture.html
* Primeiras lembranças ilustrativas da escola.

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