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Casa em Carapicuíba [Alvaro Puntoni e Angelo Bucci + SPBR]


"Observai as mãos quando vivem livremente, sem o dever da função, sem a sobrecarga do mistério - em repouso, com os dedos ligeiramente dobrados, como que abandonadas a algum sonho, ou então na elegante vivacidade do puro gesto, do gesto inútil: dir-se-ia que desenham gratuitamente no ar a multiplicidade dos possíveis..."

FOCILLON, Henri. A Vida das Formas - Seguido de Elogio da Mão. Lisboa: Edições 70, 2001, p.109.


         Com poucos gestos, Alvaro Puntoni, Angelo Bucci e um até então recém-nascido escritório SPBR, moldam um vazio que nasce de um terreno que bruscamente se torna um buraco. A Arquitetura que nasce, porém, não é inútil. O gesto de Puntoni e Bucci, desenha as possibilidades ilustradas em conversas.


         De uma depressão topográfica, surge um tubo que, como uma luneta, aponta para a rua do condomínio fechado em Carapicuíba, município da região metropolitana de São Paulo.
         O prisma longitudinal, de dimensões 3x25 metros, flutua sobre um térreo livre, apoiado em apenas dois pilares de 0,70m de diâmetro.
         Nesse volume comprido e estreito, fechado com blocos de concreto e telha metálica, as extremidades são transparentes. São aberturas que propiciam uma vista recortada da rua, como num funil, que possibilita maior privacidade e concentração, requeridas para o escritório que funciona nesse espaço.


         A laje que conforma o chão do escritório está atirantada à laje do teto, que por sua vez está pendurada em duas grandes vigas invertidas, sustentadas pelos dois pilares de seção circular.
         Da rua é possível obervar somente o escritório, quase flutuando sobre apenas dois pontos de apoio que surgem do vazio oculto.


         A depressão é de tal sorte que fica impossível observar a casa, já que essa acompanha a queda brusca da topografia. O térreo livre criado pelo espaço liberado pelos dois pilares, guarda a vista do bosque que faz divisa com a parte de trás do lote. Nesse espaço, a interface entre escritório e residência acontece por meio de escadas e passarelas metálicas.


         No buraco, o vazio é enclausurado por dois muros laterais, de onde quatro pilares surgem e apóiam duas vigas que cruzam o terreno transversalmente, de ponta a ponta.


         As duas vigas transversais invertidas sustentam a laje de cobertura da casa, que atiranta uma laje em balanço onde funciona a cozinha.


         Os fechamentos da casa são simples: madeira e vidro sem caixilhos, presos por um engenhoso sistema de peças metálicas ligadas diretamente nas lajes. Esse método, utilizado anteriormente por Bucci em outros projetos, deixa um espaço aberto pequeno entre o vidro e a laje, possibilitando abundante ventilação aos espaços.


         O projeto dessa Casa em Carapicuíba, desenvolvido no ano de 2003, é o elo entre dois projetos que tiveram a participação de Angelo Bucci: a Casa em Ribeirão Preto (com o MMBB no ano 2000) e a Casa em Ubatuba (já com o SPBR bem estabelecido, em 2006). Um projeto não seria possível sem seu anterior, já que trata-se de um processo de amadurecimento de conceitos. A cada projeto, a idéia das vigas invertidas e do atirantamento das lajes se faz cada vez mais forte, começando simples em Ribeirão Preto, até chegar ao edifício completamente pendurado em Ubatuba.
         Ao tocar o chão, a Casa em Carapicuíba volta a ficar longitudinal em relação ao terreno.


         Dessa maneira, é possível observar a disposição da casa em três volumes diferentes organizados verticalmente, sendo que os dois volumes extremos são longitudinais, e o intermediário transversal.


         No térreo, completamente escondido da vista da rua, estão os dormitórios e áreas mais íntimas da casa. Os acabamentos, como é comum na obra dos arquitetos, prima pelo simples, como na piscina com piso revestido de pedra portuguesa. Materialidade similar seria usada mais tarde por Puntoni, já com seu grupoSP, na Casa no Morro do Querosene.
         Em Carapicuíba, os planos de concreto armado e vidro dimensionam o espaço.


Na maquete de estudos, é possível obervar a primeira proposta estrutural.

         Uma grande viga invertida estruturava o volume do escritório, e dois pilares sustentavam a cozinha que foi executada em balanço, atirantada na laje presa às duas vigas transversais (como mostram as fotos do canteiro de obras abaixo).





         A Casa em Carapicuíba é um passo à frente no panorama arquitetônico brasileiro, por apresentar soluções simples e mostrar que o arranjo de experiências de nosso passado, aliado a inteligente solução programática numa topografia desafiadora, são capazes de resultar numa arquitetura nova, dentro da discussão contemporânea.
         O passo seguinte, a Casa em Ubatuba, se libertou dos muros do condomínio fechado e se abriu à natureza costeira. Mas e a cidade? Como esses conceitos seriam trabalhados dentro do caos sistemático de uma metrópole como São Paulo? A resposta, com maquete de estudos, já pode ser conferida no site do escritório SPBR. Aguardemos.



Para mais informações, não deixe de ler alguns posts relacionados:

Imagens e mais informações:

Para mais plantas e desenhos técnicos da Casa de Carapicuíba, indicamos o link abaixo, do site da revista mdc, que possuí um acervo singular de projetos:

Link do vídeo que ilustra o post: http://www.youtube.com/watch?v=30WD2w3OCCs
O vídeo, e leitura do projeto, foi elaborado por André Tramontin e Tamires Carvalho.
A imagem que mostra o esquema estrutural em vermelho, presente nesta postagem, foi feita com base no modelo 3D elaborado no vídeo.

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