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Casa Olga Baeta [Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi]


         Quando se fala em Artigas, é necessário que seja numa postagem exclusiva. Ainda estudantes, ouvimos falar ou lemos sobre a obra desse arquiteto nascido em Curitiba, que viria a contribuir para a história da arquitetura de São Paulo, e depois transbordaria como um dos grandes gênios da arquitetura de nosso país.
         Sempre achamos que existem dois tipos de gênios: aqueles que realmente tem um talento natural ou habilidade que em muito se destaca dos demais (em certo aspecto) e aqueles indivíduos que, por esforço, luta e tentativa atingem o mesmo nível. Na primeira categoria, poderíamos incluir o artista Pablo Picasso por exemplo, que desde tenra infância mostrou que o domínio de sua expressão artística se destacava das demais pessoas (sempre que Picasso se estabilizava em certa técnica, mudava para outra). Na arquitetura, nos vem à mente,  inevitavelmente, Oscar Niemeyer.
         É importante dizer que, mesmo pessoas como Niemeyer, que tem uma facilidade e talento impressionantes para lidar com certas questões, encontram dificuldades. Talento não significa ausência de esforço, erros e decepções. Afinal, a lendária história de que o arquiteto conceptualizou todo o conjunto da Pampulha em apenas uma noite, verdade ou mentira, deve ter significado muito trabalho, e demandado muito esforço do jovem Oscar. O gênio não é invencível.
         O gênio quebra barreiras conceituais, paradigmas, abre o caminho e lidera a inserção de novas idéias em nossa sociedade. Picasso e Niemeyer realizaram isso, e de forma natural, seguindo seus instintos, com um talento nato, despertado pelos acontecimentos de suas épocas. Além de um pouco de sorte.
         A nosso ver, João Batista Vilanova Artigas, é um gênio que se encaixa na segunda categoria. Não existem histórias "milagrosas" a seu respeito, que o santifiquem. Existe uma história de trabalho, profunda reflexão e preocupação com o ser humano enquanto habitante do espaço, que vive numa sociedade. Nada de impressionar a todos quando era criança ou mudar a história da arquitetura brasileira em apenas uma noite. Não. Artigas lutou, perdeu algumas batalhas, mas ao curto final de sua vida, triunfou.

         Para entender melhor de quem estamos falando, sugerimos que antes que prossiga para a leitura do projeto indicado no título dessa postagem, assista o vídeo que publicamos no ano passado, disponível no youtube. O vídeo gravado em 1978, mostra o carismático Vilanova Artigas falando sobre seu projeto mais famoso: o edifício da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP).
         É impossível não sorrir com os trejeitos, espontaneidade e a já citada genialidade do arquiteto. Para assistir, clique aqui.

Casa Olga Baeta (1956-1957)
[Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi]

Ao passar pelo portão, uma surpresa: o edifício se desfaz no ar.

         Muitos livros, revistas e textos encontrados pela internet privilegiam a produção de Artigas a partir do final da década de 1950 / início de 1960 até os anos 1980. Nesses 25 anos especificados, o arquiteto (em parceria com Carlos Cascaldi, às vezes com outros, às vezes com escritório próprio) contribuiu em muitos de seus projetos para o surgimento de conceitos arquitetônicos que ainda hoje são utilizados e desenvolvidos. O concreto armado aparente, poucos pontos de apoio, a estrutura em pórticos, etc.
         Ainda que o material disponível acerca dessa produção seja significativo (vide as referências ao final da postagem), é pouco em comparação à de outros arquitetos do período, igualmente importantes.
         Mais escassa ainda, e cabe até um parênteses aqui, é a divulgação da produção de Artigas anterior a esse período, uma época em que o arquiteto buscava referências muito mais "wrightianas" do que "corbusianas", cujo ponto de   virada coincide com a viagem de estudos que fez aos Estados Unidos, onde conhece Gropius, Aalto e o próprio Wright, colocando em dúvida seus conhecimentos e maneira de pensar o ensino da arquitetura e projeto (ver referência de livro ao final da postagem).
         A casa para Olga Baeta vem exatamente seguinte a esse período, e é aqui que o arquiteto, com o escritório em parceria com Carlos Cascaldi, executa pela primeira vez algumas idéias que viriam a se tornar recorrentes e difundidas entre a produção paulista.

Fotografia da Casa Baeta à época de sua conclusão.
(Casa&Jardim, nº 43, junho 1958)
Foto retirada do site Arquitetura Brutalista (ver link nas referências ao final).

Fotografia da Casa Baeta, mostrando o entorno do bairro, ainda "selvagem", em fins da década de 1950. Foto retirada da Revista Casa&Jardim, nº 43, junho 1958.

         Vista da rua, à época, apenas um baixo portão separava a casa entre público e privado, no bairro Butantã. A fachada cega branca é uma de suas características mais marcantes, e talvez um dos maiores feitos desse projeto (já explicaremos por que). Hoje, um muro alto cerca o lote, com um grande portão vermelho e fechado, impossibilitando enxergar o pavimento térreo. Se o efeito antes, era de que o grande plano branco cego desaparecia no ar (se confundindo com as nuvens), hoje a sensação de quem está na rua, é o da parcial ausência do edifício.

Foto de Julio Beraldo Valente.

         A mudança do portão é fruto de uma reforma realizada em 1998, liderada pelo arquiteto Angelo Bucci, à época ainda no escritório MMBB.
         Bucci, na consciência de não confundir esses diferentes momentos na história da residência, tratou por deixar bem demarcado o que é novo e antigo. Da planta original, apenas as áreas da cozinha, serviço e banheiros foram modificados, de maneira a atualizar o sistema hidráulico e maximizar os espaços de circulação. As novas áreas possuem fechamento de argamassa armada, com apenas 5cm de espessura, com acabamento em concreto aparente, sem tocar a laje do teto. Apenas panos de vidro sem caixilho, terminam por vedar as alvenarias.

Na foto, a sala de jantar, reorganizada na reforma. Detalhe para as alvenarias de argamassa armada que não tocam o teto, fechadas por vidros sem caixilho.


A seguir, vamos observar a planta original e a planta pós-reforma.




         O principal objetivo da reforma, e seu grande feito, foi restaurar o conceito original da estrutura da casa. Para explicar isso melhor, voltemos a 1956, o ano de sua construção.
         [ Cansado da tipologia residencial paulistana, que já se mostrava ultrapassada a tempos, com seu programa fragmentado, separando as casas em diferentes pedaços, e observando que mesmo na arquitetura moderna, esse reflexo da segregação sócio-cultural ecoava na forma dos edifícios, Vilanova Artigas propõe, pela primeira vez, resolver todo o programa da residência em um único volume, concentrando os usos num mesmo espaço sob uma estrutura.
         Embora essa idéia vá ganhar forma literal apenas em seus próximos projetos residenciais (na famosa "Casa dos Triângulos" e na segunda casa Bittencourt), é na casa para a professora Olga Baeta que Artigas ensaia o conceito.
         A casa possuí apenas 6 pilares, distribuídos de tal maneira a formar 3 pórticos. Cabe também ressaltar que aqui, os pilares começam a apresentar formas inclinadas (conceito que o arquiteto desenvolveria ainda mais nos próximos trabalhos, vide projeto da segunda Casa Bittencourt, FAU, etc). Os dois pórticos laterais sustentam duas vigas-parede no pavimento superior, que por sua vez sustentam o grande balanço da cobertura sul. Artigas queria que a sala de estar tivesse um pé direito duplo, com um grande fechamento de vidro, de piso a teto e, para isso, não teve receio em estruturar toda a cobertura nessas duas empenas. Mais do que isso, Artigas não teve dúvidas em deixar as empenas leste e oeste cegas (o arquiteto disse mais tarde que, a empena cega recortada pelo formato em duas águas da cobertura, com a textura vertical das formas de madeira à vista, o lembrava das casas curitibanas de sua infância).
         Porém, a solução estrutural gerava um problema: as duas empenas não seriam o bastante para conter o momento fletor da cobertura no eixo central da casa, já que uma viga-parede não poderia ser colocada no pórtico do meio. Para solucionar o problema, Artigas e Cascaldi projetam uma escora de concreto armado (mostrada na imagem acima, em diagonal, do Corte do desenho antigo antes da reforma).
         Por problemas com o empreiteiro (que não executou o projeto estrutural à risca), a escora acabou não resistindo. A solução foi construir um 7º pilar externo no meio da fachada sul. Por muito tempo, a famosa casa de 6 pilares de Artigas, ficou com 7. ]
         Na reforma de 1998, Angelo Bucci e equipe se surpreenderam ao encontrarem não 7 pilares, mas 10! Dentro das alvenarias, haviam mais 3 pilares intrusos (talvez o motivo da escora de concreto não ter resistido). Com a ajuda do engenheiro Ibsen Puleo Uvo, extraíram os 3 pilares intrusos, retiraram o pilar externo central da fachada sul e, seguindo o projeto original de Artigas e Cascaldi, desenvolveram uma escora, mas dessa vez, uma escora metálica.


A fachada sul livre de pilares, com a nova escora metálica ao fundo.

         A distribuição do programa é simples e compacta. Ao estruturar a casa nesses 3 pórticos, Artigas acaba por criar uma arquitetura que é homogênea por fora, e extremamente rica por dentro, com diferentes espacialidades. Os valores das dimensões ganham tons ainda mais impressionantes com os revestimentos em planos coloridos, claramente influenciados pelo movimento De Stijl.


Detalhe do piso/patamar do escritório destacado da escada.

         Internamente e externamente, a casa compartilha de um meio nível, resultado do arranjo topográfico, onde acontece o espaço do escritório. Artigas pensava nesse espaço, como um espaço de descanso (e um descanso de fato, já que poderíamos entender esse espaço como uma extensão direta do patamar da escada que liga o pavimento térreo ao superior).


Detalhe do encontro dos pisos em diferentes cores.

O fechamento dos dormitórios, voltados para norte (como visto na foto antiga acima), são em janelas do tipo guilhotina. Fotografia presente no livro Residências em São Paulo, de Marlene Milan Acayaba (ver referências ao final da postagem).

         A caixa d´água apoiada em um único pilar, linguagem tão utilizada e difundida no modernismo brasileiro, viria a aparecer numa das primeiras vezes na Casa Baeta, talvez um dos primeiros projetos didáticos de nossa arquitetura: esse aspecto ósseo do edifício, onde é possível ler sua sustentação, seu programa, apenas pela forma com que o edifício ganha materialidade.
         Nessa primeira tentativa, Artigas já vai além. Talvez aqui, mais do que em qualquer outra construção, a arquitetura é etérea, anônima e ao mesmo tempo pessoal pelo ineditismo com que suas características são empregadas. A casa desmancha no ar.



         Não deixe de conferir o vídeo acima, mostrando maquete da Casa Olga Baeta, desenvolvida para disciplina de Desenho Arquitetônico na FAUUSP, por Luiz Felipe Amado da Cunha e Joyce Azevedo Rodrigues (ver mais informações na descrição do vídeo no Youtube).


> IRIGOYEN, Adriana. Wright e Artigas: duas viagens. São Paulo, Ateliê Editorial, 2002
> 2G, edição nº 54. João Vilanova Artigas. Barcelona: Gustavo Gilli, 2010
> MONOLITO, edição nº 1. Angelo Bucci. São Paulo: Editora Monolito, 2011
> ACAYABA, Marlene Milan. Residência Olga Baeta (1956-1957). In: Residências em São Paulo: 1947-1975. São Paulo: Romano Guerra Editora, 2011
> Todas as fotos são de Nelson Kon (menos quando indicado na legenda), e os desenhos são do escritório SPBR e do web-site Arquitetura Brutalista (projeto de Ruth Verde Zein), encontrados nos seguintes links:
> Para mais fotografias interessantes da Casa Baeta, não deixe de acessar o Flickr de Danilo Hideki, clicando aqui.

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