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Tijolo e Concreto: 2 casas


         Empilhar blocos, ou criar grandes formas de madeira para encher com a "pedra líquida". Tijolo e concreto, duas técnicas que tem papel considerável na construção de nosso país, sendo largamente utilizados, por questões financeiras e técnicas.
         Houve um dia em que ambos eram inimigos. O concreto chegava para acabar com o monopólio construtivo das várias famílias de artesãos europeus que aqui se instalaram no século XIX, vencendo-os pelo desconhecimento de seu fazer. O tijolo por séculos foi protagonista principal na arquitetura ocidental, sua técnica largamente dominada. Já o "Betão", embora a mistura tenha sido utilizada em versão rudimentar pelo Império Romano (chamada por eles de pozzolana, que continha compostos vulcânicos), apenas no século XIX é que as propriedades e reações de cimento, água, areia e pedra foram estudados e disseminados apropriadamente. Com o advento da arquitetura moderna, planta livre, a técnica de protensão, interesses financeiros...tudo foi se encaixando para que o concreto se torna-se um dos principais protagonistas da arquitetura.
         Hoje, estruturas de concreto suportam edifícios, casas, viadutos e pontes, fechados com alvenarias de tijolos. Separados, utilizados na totalidade de suas características, ambos podem fazer o que o outro também faz: o concreto pode esculpir alvenarias e aberturas, o tijolo pode criar estruturas capazes de sustentar edifícios.

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Casa Abu & Font (2006)
-Gabinete de Arquitectura-


         Embora não se possa generalizar e colocar rótulos (Deus nos livre), a arquitetura desenvolvida no escritório paraguaio Gabinete de Arquitectura tem como um dos materiais mais explorados e pesquisados, o tijolo cerâmico. Nesse projeto concluído em 2006, da Casa Abu & Font, cujo autor e cientista foi Solano Benitez, e cujo cliente foi sua mãe e por consequência toda sua família (já explicaremos), o tijolo é utilizado em toda sua plenitude.


         A visão da casa, num primeiro instante, surpreende pelo brutalismo e abundância com que o material é apresentado. As pequenas aberturas acabam por maximizar a impressão imponente que o corpo do edifício tem em relação à rua.
         Um segundo olhar porém, mais criterioso e cuidadoso, revela o verdadeiro encanto do projeto: a maneira como a cerâmica armada molda espaços generosíssimos partindo de pequenos elementos, que vem a formar um todo de qualidade espacial triunfante sobre a massa.
         E porque seria diferente com o tijolo? Afinal o concreto armado faz o mesmo com resultado igualmente homogêneo. Se dá que com o tijolo é ainda mais belo, já que é possível visualizar as proporções do trabalho de cada bloco.




         No pavimento térreo, o programa revela seus usuários por meio de sua espacialidade. A família de Solano Benitez é grande, com cerca de 40 membros se reunindo religiosamente para as refeições no final de semana. Abertas as portas, a casa revela um grande vão livre, coberto por uma laje cerâmica atirantada.


         Duas grandes vigas vierendeel correm transversalmente em relação ao terreno, amarrando a estrutura principal de tijolos armados e atirantando a laje da cobertura do térreo.




         Dividindo o grande espaço aberto e a rampa de acesso ao pavimento superior, um extenso e criativo painel vazado de tijolos parece levar a técnica do cobogó a respirar novos ares.
         No pavimento superior, estão as acomodações principais, com pé direito de quase 5 metros. No pavimento inferior, as acomodações de um irmão da família são iluminadas através de aberturas ajardinadas no piso térreo.







         Completando o programa no pavimento térreo, estão uma discreta cozinha e área de serviço, espaço que também guarda a escada de acesso aos pavimentos. Os grandes cômodos e pés direitos elevados permitem a ventilação natural  e conforto térmico da residência, que atravessa períodos de calor intenso durante boa parte do ano na quente Assunção, capital do Paraguai. Assim como no Brasil, as temperaturas podem passar dos 40º C no verão, com um clima que pode se tornar bem seco. Para revolver isso, as aberturas mais baixas, paredes duplas de tijolos, elementos vazados e pé direito alto tornam-se mecanismos importantes para garantir que o ar continue fresco.





         Através de criatividade no uso de um material abundante em sua região, experimentação com a estrutura, e o uso de um repertório fascinante na maneira de deixar transparecer uma leitura didática da própria construção do edifício (os intervalos nas aberturas pontuados pelas pontas estruturais formando pequenos cubos salientes nas empenas, como na La Tourette de Corbusier), Solano Benitez e a equipe do escritório Gabinete de Arquitectura criam um projeto, que apenas por sua materialidade, é digno de divulgação e estudos. No entanto aqui se vai além, e se enche de humanidade e fraternidade espaços que do contrario seriam apenas um monte de tijolos inteligentemente arranjados.
         Citando o próprio Solano, cada tijolo da Casa Abu & Font retêm desejo. O desejo de ser morada.



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Casa Fosc (2009)
-Pezo von Ellrichshausen-


         Com uma textura de efeito surreal, essa casa em San Pedro, Chile, foi projetada pelo escritório de arquitetura Pezo von Ellrichshausen para um casal com quatro filhos. O programa extenso foi adensado em um único volume prismático de concreto armado, que se estrutura nas próprias alvenarias. Quase um grande volume "esculpido" por dentro, com janelas que variam de tamanho e posição de acordo com aquilo que o programa pede (não sendo o resultado nas empenas prioridade), a superfície externa mostra o desenho das formas de madeira que antes moldaram o edifício, tingida com uma fina camada de óxido de cobre.



         Dividida em 3 níveis, a implantação da residência se dá em um terreno em declive, sendo que a parte mais alta do mesmo foi destinada ao acesso à casa, pelo segundo pavimento (o meio do edifício). No andar mais baixo e mais alto, ficam os dormitórios.



         As alvenarias externas são duplas, sendo uma delas estrutural e outra de fechamento, com espaço entre uma e outra para isolamento térmico. O resultado é uma residência com um excelente conforto térmico.


         Os ambientes se conformam em torno de um túnel vertical que guarda a escada, estruturada em um único pilar de concreto. As plantas são organizadas de tal forma que não existem longos corredores com perda de espaço.






         O interior é revestido com madeira e pintado com tons de branco, contrastando com o exterior áspero e brutalista do concreto aparente manchado de verde. As janelas, por suas dimensões e posições acabam por emoldurar a paisagem, oferecendo vistas nem sempre fáceis de ver, mas que iluminam e arejam a residência.





         A Casa Fosc é mais um exemplo da arquitetura de qualidade que se faz hoje na América Latina. Utilizando um material "grosseiro", os arquitetos chilenos Maurício Pezo e Sofia von Ellrichshausen, juntamente com a equipe de seu escritório, criam uma estrutura de grande sensibilidade arquitetônica. Aqui, nessa residência de betão manchado de verde, existe a reflexão sobre o vazio, cujo resultado nos é apresentado no exterior, e cujo significado só entende aquele que entra.





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         A escolha do material a ser trabalhar, muitas vezes define o projeto. No entanto é importante notar que independente de qual matéria vai materializar nossos pensamentos, são intervalos entre os cheios que solucionam as verdadeiras questões.
         Tijolo e[ou] concreto...é preciso ver o interstício.

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Fotos e mais informações:

Casa Abu & Font:
- Revista AU nº 185 - Agosto de 2009

Casa Fosc:

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Comentários

  1. Estupendo! simplesmente maravilhoso.
    A elevação da brutalidade do concreto ao etéreo inimaginável
    Ou a concretização sublime do ideal arquitectónico minimalista

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